Artigo originalmente publicado a partir de uma entrevista com Dr. Diogenes Silva no blog da Pixeon em 15/05/2018.
Se uma instituição de saúde fosse dividida em centros de custo distintos, a medicina perioperatória certamente iria se destacar na avaliação de resultados, principalmente como uma boa fonte de rendimento com as seguintes características: a emergência, embora tenha um papel assistencial inegável, sob o prisma financeiro não traz um gráfico positivo. A Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), consegue ser gerida de maneira rentável, mas há alguns riscos envolvidos, como a permanência contínua de pacientes críticos e riscos operacionais como contaminação como bactérias multirresistentes. Na enfermaria, há que se levar em conta os custos de hotelaria, refeições de acompanhamento e manutenção, também chamado de “facilities”.
As áreas da medicina cirúrgica e de anestesia tendem também a ser mais dinâmicas, orientadas a resultados imediatos enquanto dentro do centro de rendimento chamado Centro Cirúrgico. Nele o paciente ingressa para um procedimento e, logo na sequência, segue para outro setor do hospital. O centro cirúrgico é responsável por 40% do consumo de insumos do hospital e 70% da renovação de leitos. Mas por qual motivo isso não é visto? São indicadores que costumam ficar escondidos por existirem barreiras à gestão causando dificuldades. Na maioria das instituições, os gestores acabam não entrando no setor e, portanto, não estão 100% a par do fluxo de trabalho e processos. A literatura compara a complexidade da gestão de um centro cirúrgico com as de operações de guerra ou do tráfego aéreo.
Toda rotina das áreas da medicina cirúrgica e de anestesia possui a dificuldade de construir indicadores para sua gestão. Outra questão é a valorização do que o anestesista está produzindo como uma fonte de informação sobre este centro de rendimento. Ele é o profissional que participa ativamente do fluxo do início ao fim e peça-chave para o funcionamento da área, produzindo um dos documentos mais detalhados confeccionados na cabeceira do paciente e uma fonte rica de informação para gestores. Por exemplo, se um paciente ficar internado por uma semana e tiver uma hora de cirurgia, somente nessa uma hora de cirurgia haverá uma descrição minuciosa de dados realizada minuto a minuto do que aconteceu, quais foram os medicamentos e insumos utilizados, dados fisiológicos, estado clínico do paciente, procedimento cirúrgico, etc. O único porém é que, dentro da maioria dos hospitais, os documentos ainda são feitos com papel e caneta, independente de haver uma plataforma de prontuário eletrônico rodando na instituição ou não.
Aqui, entra mais um insight para que as instituições de saúde possam obter mais resultados: tudo na vida de um anestesista está em aplicativos, mas o prontuário completo, um dos documentos mais críticos, é feito como se fosse uma carta: manualmente num papel. Quando, na verdade, são dados massivos que estão sendo gerados e irão trazer mais do que conhecimento, mais do que Business Intelligence.
Medicina perioperatória: duas espirais das instituições
Em primeiro lugar, é preciso começar a mensurar as áreas da medicina cirúrgica e de anestesia. Atualmente, a produção não está sendo medida. Perguntas como estas são um bom ponto de partida:
- Qual a taxa de turnover de sala?
- Qual o tempo médio entre a entrada e saída da sala?
- Estamos dentro dos 30 minutos ideais do processo de limpeza e preparação de sala cirúrgica?
- Quando começou a cirurgia foi realizado algum check-list de cirurgia segura?
- Qual a dimensão dos números de eventos adversos?
- Como é o monitoramento na sala de recuperação pós-anestésica?
- Como fazer a rastreabilidade de drogas de alto custo e OPME?
- Quantas cirurgias efetivamente começam quando meu centro cirúrgico abre pela manhã?
Como todos esses indicadores impactam na gestão? A partir de um certo volume de dados é possível desenvolvermos uma capacidade preditiva, pois as atividades tendem a se repetir em padrões num centro cirúrgico. São rotinas executadas. Porém, se estão sendo realizadas de forma errada, e não há uma intervenção em cima do erro, este continuará sendo perpetuado. Isso muda com a preditividade. Por exemplo: estudos mostram que 30% dos pacientes que vão para a recuperação pós-cirurgia estão ainda com um bloqueio neuromuscular, o que dificulta a reabilitação ou pode evoluir para outras complicações. Para tratar isso, a instituição deverá gastar entre 10 até 25 mil reais. Um tratamento preventivo baseado em preditividade consegue mitigar ou reduzir esses números.
Outro ponto importante é que as áreas da medicina cirúrgica e de anestesia podem oferecer resultados imediatos. Nas demais, existe um ciclo de 3 ou 6 meses para conseguir uma mensuração adequada. No final do dia, o centro cirúrgico já pode ter sua performance analisada.
Primeira espiral: é preciso promover saúde
A lógica de quanto mais doente o paciente está, mais o hospital ganha, está completamente equivocada. As instituições devem ter um objetivo em comum: promover a saúde do paciente. Por isso, medir a performance é tão importante. No final de um procedimento, os gestores terão todos os dados que precisam para entregar mais valor aos pacientes. Basta pensarmos que o custo da anestesia representa 3% dentro de um procedimento cirúrgico. Enquanto isso, um procedimento mal feito dará um prejuízo de até 25 mil reais. Todos perdem.
Segunda espiral: confiança nos profissionais do centro cirúrgico
O hospital precisa confiar nos profissionais, nos convênios, na indústria farmacêutica e em todos envolvidos em cada processo. Como fazer para cortar a espiral da desconfiança? A partir da transparência de dados. Coletar de maneira adequada e transformar estas informações em conhecimento é algo irrefutável. Todas as desconfianças são desmontadas e quebram-se as armaduras comerciais. A transparência promove um ecossistema mais focado na geração de valor para o paciente e não tanto em custo ou na quantidade de glosas.